Quais as obrigações legais do profissional da fisioterapia?

2018-02-09

Por Raul Petrilli Leme de Campos.

   

          Segundo a definição do COFFITO (Conselho Federal De Fisioterapia e Terapia Ocupacional) a profissão de fisioterapeuta é uma ciência da saúde que estuda, previne e trata os distúrbios cinéticos funcionais intercorrentes em órgãos e sistemas do corpo humano, gerados por alterações genéticas, por traumas e por doenças adquiridas, na atenção básica, média complexidade e alta complexidade. Fundamenta suas ações em mecanismos terapêuticos próprios, sistematizados pelos estudos da biologia, das ciências morfológicas, das ciências fisiológicas, das patologias, da bioquímica, da biofísica, da biomecânica, da cinesia, da sinergia funcional, e da cinesia patológica de órgãos e sistemas do corpo humano e as disciplinas comportamentais e sociais.

          Ainda de acordo com o COFFITO, é profissional de Saúde, com formação acadêmica Superior, habilitado à construção do diagnóstico dos distúrbios cinéticos funcionais (Diagnóstico Fisioterapêutico), a prescrição das condutas fisioterapêuticas, a sua ordenação e indução no paciente bem como, o acompanhamento da evolução do quadro clínico funcional e as condições para alta do serviço¹.

          De fato a definição técnica fica de fácil compreensão quando disposta pelo Conselho Federal da profissão, mas será que toda a atuação do fisioterapeuta se resume apenas à especialidade e aptidão?

          É intuitivo dizer que não. A sua atuação envolve todos os atributos da personalidade do paciente e não apenas aqueles diretamente relacionados à patologia que o levou ao auxílio do profissional.

          Nessa esteira, esse artigo não visa discorrer acerca da gama de predicados que o o profissional da reabilitação deve possuir para a cura do paciente, mas sim, sobre até que ponto ele deve efetivamente aplicar todas as suas técnicas sem incorrer em erro, seja por ação ou por omissão.

          Desse raciocínio surge a dúvida. Qual a real obrigação do fisioterapeuta do ponto de vista legal? Tal questionamento, via de regra, não encontra guarida nos bancos escolares, mormente na formação acadêmica do profissional da fisioterapia. Mas, ao contrário dessa realidade acadêmica, tal aflição tem relevância equivalente a todo o conhecimento técnico transmitido nas universidades.

          Sem qualquer escopo crítico acerca das grades curriculares presentes nos cursos de fisioterapia, é inegável a importância do conhecimento da legislação e regulamentação da profissão, com propósito de prevenir atos que acarretem futuras demandas judiciais.

          Então, qual é o papel do fisioterapeuta? Até que ponto alcança sua atuação? A que se obriga o profissional da fisioterapia na sua atividade?

 

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¹ https://www.coffito.gov.br/nsite/?page_id=2341

   

          Tais questionamentos, para serem esclarecidos demandam certo raciocínio. A obrigação do fisioterapeuta é considerada de meio, na lição de Maria Helena Diniz²: “O devedor se obriga tão somente a usar de prudência e diligência normais na prestação do certo serviço para atingir o resultado, sem, contudo, se vincular a obtê-lo”.

          Significa dizer que o fisioterapeuta, enquanto profissional que presta serviço, está obrigado apenas a envidar todos os esforços se utilizando dos meios necessários para que alcance o resultado almejado, ou seja, a cura do paciente, mas sem fundamentalmente obrigar-se a atingi-lo. O especialista não está adstrito ao resultado, mas sim ao meio de sua obtenção.

          Contudo, há a possibilidade de sua responsabilização, seja do ponto de vista civil, administrativo perante o Conselho da profissão, ou até penal na eventual comprovação de ocorrência de crime, cabendo ao autor da ação judicial demonstrar o erro do profissional e o prejuízo causado.

          A imputação da responsabilidade poderá ocorrer por ação, nos casos em que a conduta estiver em desacordo com normas técnicas, éticas e legais, ou por omissão naqueles em que o profissional tenha o dever de agir e não o fizer, ambas situações incorrerão em ilícito.

          O artigo 186 do Código Civil de 2002 define o que é ato ilícito, enquanto que o artigo 927 do mesmo diploma impõe a obrigação de reparar o dano eventualmente causado, seja ele material ou moral³.

 

 

                                         Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
                                       Art. 927. Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

     

 

          Para efetiva imputação ou afastamento da responsabilização, é imprescindível a observância desses dois artigos do Código Civil brasileiro. Mas infelizmente, ressalta-se, o fisioterapeuta ainda carece do profundo conhecimento necessário acerca do tema. Não se pode admitir tal carência nos dias atuais, principalmente com o contínuo aumento dos processos judiciais relativos à saúde.
          A judicialização da saúde vem se impondo de forma crescente com o constante aumento das demandas judiciais, sejam elas contra o Estado nos pleitos para obtenção de medicamentos ou contra profissionais da área. Os autores destes processos quase sempre tem o intuito de auferir quantias decorrentes de indenização por danos materiais ou morais. Equivocada é a crença de que os profissionais da fisioterapia estariam blindados contra esse tipo de situação. Muito pelo contrário, estão extremamente vulneráveis.

 

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² DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, vol. 2. Teoria geral das obrigações. São Paulo. Ed. Saraiva, 2017.
³ Código Civil Brasileiro de 2002.

 

 

          Obviamente todo fisioterapeuta corre risco de estar no polo passivo de uma ação, mas é possível que esse cenário seja evitado e sua possibilidade de ocorrência minimizada.
          Uma vez que a prestação do serviço de fisioterapia se constitui em obrigação de meio, para resguardar-se, é imprescindível que todo profissional atue de forma diligente na sua atividade, caso contrário, prevalecendo indiferença, descaso ou desinteresse pelo assunto outros poderão ser os reflexos além de condenação pecuniária, como a perda do emprego ou a mancha da reputação enquanto profissional, já que vivemos na era da informação.
          Vale dizer que, cada vez mais a informação está acessível a todos e as redes sociais possuem papel fundamental nessa realidade. A mídia digital pode ser utilizada com sucesso para promover o bom profissional, mas, por outro lado, em questão de segundos ou “cliques” acabar com uma reputação de anos de trabalho que necessitará de muito tempo para se restabelecer.
          Nesse contexto, tanto o fisioterapeuta contemporâneo como os tradicionais não mais precisam apenas do conhecimento das matérias convencionais da área de saúde ou das técnicas especificas da profissão, mas devem sim empenhar-se na aquisição do profundo entendimento das questões legais de sua atuação.
          É de extrema importância que o profissional, qualquer que seja sua área da fisioterapia, se atente para as questões normativas de sua profissão, sobretudo na sua rotina de trabalho.
          Vale lembrar que, aos empreendedores ou chefes de serviço mais antenados, subsiste a presente preocupação com o “compliance” (conformidade) de seus serviços, sejam eles nas clínicas, hospitais ou consultórios com o propósito de prevenção de eventuais implicações judiciais indesejadas.
          Em suma, as possíveis implicações jurídicas da atividade fisioterapêutica, transitam necessariamente pela obrigação de meio, pela responsabilidade civil, administrativa e penal, de tal sorte que, se não observados os ditames legais e regulatórios referentes à profissão o fisioterapeuta estará à mercê exclusivamente da sorte.
          Por fim, levando em consideração todos os aspectos abordados, fica evidente que a atuação do fisioterapeuta não se restringe apenas ao conhecimento técnico imprescindível no atendimento aos pacientes, mas especialmente ao entendimento claro e profundo sobre sua atuação do ponto de vista legal e regulatório da profissão. Com essa mentalidade o profissional preocupar-se-á somente com seu aperfeiçoamento e colheita dos crescentes frutos de seu trabalho.

 

 

Referências bibliográficas
1.  https://www.coffito.gov.br/nsite/?page_id=2341
2.  DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, vol. 2. Teoria geral das obrigações. São Paulo. Ed. Saraiva, 2017.
3.  Código Civil Brasileiro de 2002.

 

Raul Petrilli Leme de Campos

 

Advogado: Bacharel pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, especializando em direito imobiliário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-LAW).

Fisioterapeuta: Formado pela UNISANTA (Universidade Santa Cecília), Especialista em Fisiologia do Exercício pela UNIFESP, Especialista em fisioterapia ortopédica pela UNISANTA (Universidade Santa Cecília).

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